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Labubu: mais uma lição da Ásia para o varejo local

O fenônemo é fruto da fórmula que soma conexão emocional, comunidade e redes sociais

Labubu: mais uma lição da Ásia para o varejo local
Isis Brum Publicado em 08 de Junho de 2025 às, 08h00. Atualizado em 08 de Junho de 2025 às, 16h09.

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Em 1963, o ilustrador Maurice Sendak publicou a primeira edição do livro que venderia 19 milhões de cópias mundo afora, intitulado Where the wild things are. No Brasil, o título foi traduzido como Onde vivem os monstros, quando o cineasta norte-americano Spike Jonze adaptou a obra para a tela grande, em 2009.

Onde vivem os monstros

Mas quem, ainda hoje, se lembra de KW ou Ira, personagens de Onde vivem os monstros, reproduzidos na imagem acima?

A pergunta parece conveniente quando vemos o Labubu se tornar um fenômeno também no Brasil, onde varreu as redes sociais com milhões de hashtags convertidas em compras ao cair no gosto da geração Z, que busca, no consumo, itens de autoexpressão atualmente alinhados à estética "creepy cute", isto é, "fofo assustador" - algo a que Sendak dera vida 62 anos antes.

O personagem foi desenvolvido em 2015 pelo designer Kasing Lung, que teria feito uma releitura dos elfos da cultura nórdica para criar a linha "The Monsters", lançada pela empresa chinesa Pop Mart. Fundada em 2010, a companhia ganhou relevância ao se especializar em brinquedos colecionáveis cinco anos depois, apostando em estratégias como caixas-surpresas, em que o consumidor não sabe o que tem dentro, e unboxings.

Foi somente no ano passado que o Labubu - e a Pop Mart - viralizaram mundialmente, depois que uma cantora de K-pop postou uma foto em suas redes sociais com o boneco. Apesar de não ser oficialmente embaixadora da Pop Mart, Lisa, do Blackpink, diz ser uma colecionadora obcecada dos itens da marca e compartilhou com os fãs imagens de sua vasta coleção. Depois dela, os Labubus se tornaram "queridinhos" de Rihanna, Kim Kardarshian, Dua Lipa e Simone Biles.

Febre entre brasileiros, os bonecos creepy cute estão em toda parte do físico ao digital como ícone da geração Z. Para a consultora de imagem, Sandra Melo, o sucesso do Labubu não é um acaso, mas, sim, reflexo de um comportamento coletivo. “A geração Z busca símbolos que comuniquem complexidade emocional. O Labubu não é só um acessório bonito, ele mistura humor, desconforto e identidade de uma forma que representa perfeitamente a linguagem visual dessa geração”, afirma.

Conexão emocional

Desde 2023, Quentin Humphrey, head of Client Engagement da WGSN, convidado a palestrar na primeira edição do Digitail, realizado de forma híbrida pela Gouvêa Experience, alerta que o fenômeno K-pop deveria ser observado mais de perto por quem lida com o comportamento do consumidor.

Para o executivo, o K-pop ultrapassou a fronteira da música ao se desenvolver alinhado com as múltiplas características dos jovens de seu tempo e com a venda de produtos que passam a significar amparo emocional e senso de pertencimento. A indústria k-pop expandiu-se globalmente, levando para todos os cantos do planeta produtos asiáticos por meio da expressão artística. E esbanja lições sobre como as marcas podem investir em conexão emocional para gerar identificação, desejo, pertencimento, senso de comunidade, compra, recorrência e fidelização.

No último BTalks, evento sobre as tendências de varejo e consumo para líderes realizado pelo Grupo BITTENCOURT, na Casa Dexco, em maio, a CEO da consultoria, Lyana Bittencourt, disse que, hoje em dia, os itens de desejo são descobertos nas redes sociais. No ambiente onde distração, entretenimento e oferta se misturam à identidade, conexão e a status, bonecos como o Labubu, simbolicamente associados por quem vende e compartilha, como símbolo de uma geração, tem potencial para se tornar um viral.

Mas seria ingenuidade acreditar que foi sorte e, não, estratégia. O varejo global é intencional, porém, quando a ação é bem feita, passa despercebida e só se consegue enxergar o seu efeito. Não é para menos que as companhias asiáticas têm se destacado nos últimos anos, salvo exceções como a Uber e a Netflix, ambas norte-americanas, que revolucionaram, respectivamente, a forma como nos locomovemos nas cidades e consumimos produtos audiovisuais em casa. Temu, Shein, Shoppee, Alibaba, TikTok Shop, são todas plataformas líderes de vendas e deixam claro o seu apetite sobre o mercado onde quer que atuem.

O Labubu, portanto, está longe de ser uma obra do acaso. No ano passado, a Pop Mart faturou mais de US$ 400 milhões e se tornou uma empresa com valor de mercado estimado em US$ 42 bilhões.

Para Sandra Melo, mais do que uma tendência estética, o Labubu se conecta com o movimento emocional que envolve objetos afetivos, sobretudo, em tempos de excesso de estímulos e inseguranças identitárias. “Muitos desses jovens tratam o boneco como companhia emocional. É um acessório com função estética e simbólica, que fala sobre pertencimento, segurança e até resistência visual”, explica.

Segundo a consultora de imagem, a escolha por um acessório inusitado - e até “feio” sob certa ótica - dialoga com a lógica estética da internet, que valoriza o contraditório. “O Labubu foge da estética polida e perfeita. Ele representa o estranho, o deslocado, o que não se encaixa. E é justamente aí que ele se torna potente ao virar símbolo de quem quer comunicar uma imagem mais autêntica, cheia de nuances, sem precisar agradar todo mundo”, comenta.

Além do designer do Labubu dialogar com a obra de Sendak, a relação emocional entre os personagens de Where the wild things are e a linha The Monsters dão pistas da conexão emocional sobre "como me sinto" e "como me vejo", e pode responder em alguma dimensão como um boneco pode se tornar um fenômeno de vendas.

Ele evidencia o dilema interno e humano entre o mau e o bem, entre o fofo e o assustador, com o qual os adolescentes estão aprendendo a lidar e podem se sentir menos solitários, ainda que lhes falte clareza sobre isso, ao perceberem que mais pessoas se identificam com esse movimento. Por fim, também comprova que as decisões de compra são norteadas por questões puramente emocionais. 

"Nesse contexto", observa Sandra, o Labubu "deixa de ser apenas uma febre passageira e se firma como expressão de um tempo em que, quem somos, está profundamente ligado ao que escolhemos carregar, literalmente, no corpo e na imagem”, finaliza. 

Imagens: Reprodução

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